quinta-feira, 13 de maio de 2010

A polícia da Bahia de Todos Nós deu baculejo na jornalista Jaciara Santos

De Jaciara Santos, do site www.aqueimaroupa.com.br:
"Já ouvi muitas histórias desse tipo e, como jornalista, já relatei outras tantas na terceira pessoa. Mas nada como vivenciar determinadas experiências daquelas que a gente acha que só acontecem com os outros. Acabo de ser abordada por uma guarnição da Polícia Militar. Eu e meu companheiro, fomos parados, aos 40 minutos de hoje (13) no trecho mais deserto da Via Regional, ligação Águas Claras-Pau da Lima, pela guarnição 4710 da PMBA, a serviço do programa Ronda nos Bairros, na região de Pau da Lima.
A sensação é terrível. E nem venha com a máxima do “quem não deve não teme”. Quem deve, sabe como agir em tais situações. Quem não deve, fica absolutamente vulnerável. Ante a mira de três armas, se você não é habituado a manejá-las (e aí leva vantagem aqueles que devem…) capitula, não sabe se ri, se chora, se cala ou se fala. Ali, naquele início de madrugada, vendo meu companheiro sendo apalpado pelo policial (chama-se “baculejo”), assistindo à devassa do nosso automóvel, tudo sob palavras ameaçadoras e gestos intimidadores, percebi o quanto somos impotentes diante da força bruta.
Curioso é que, numa hora e num local daqueles, ver a luz vermelha do giroflex da viatura policial, chegou a me tranquilizar. Que bom, pensei, estamos seguros. Afinal, como sugere a música dos Titãs, Polícia, ”(…) dizem que ela existe pra te proteger (…)“. Num segundo, percebi que estava enganada. Para a polícia, não éramos dois cidadãos a serem protegidos, mas dois bandidos possivelmente portando armas, drogas ou sabe-se mais lá o quê. Teria algo a ver com a cor das nossas peles? Não, prefiro não pensar nisso. Quero acreditar que, mesmo se tivéssemos a pele clara, seríamos igualmente parados naquele local e daquela forma desrespeitosa e ameaçadora. Mas, por que isso não me conforta?…
Enquanto os policiais procuravam indícios de crime no carro e nas vestes do meu companheiro, me passavam pela cabeça histórias horripilantes. Autos de resistência forjados, corpos desovados em estradas vicinais do CIA, cadáveres carbonizados e irreconhecíveis… Não sou uma pessoa passiva e – reconheço – sou bem arrogante quando sinto que me pisam nos calos. Mas, que honra haveria em tentar mostrar a três policiais armados que, como nada devia, não iria temê-los? Não, definitivamente, eu não queria ser mártir dessa guerra perdida que o cidadão de bem travam com policiais policiáveis. Baixei a cabeça e aconselhei meu companheiro a seguir as instruções daquelas três figuras investidas de todo o poder naquele momento.
A abordagem acabou, nada foi encontrado no carro ou com meu companheiro que desabonasse nossa conduta. Uma ressalva: não tocaram em mim, apenas me mandaram saltar do carro e a policial feminina que integrava a guarnição me manteve sob a mira de sua arma. Concluída a revista, os policiais voltaram para o veículo tipo furgão (parecia um Ford EcoSport – no escuro não deu para ver a marca) padronizado e seguiram em frente. Voltamos para o nosso automóvel e retomamos a viagem bruscamente interrompida. Sem um pedido de desculpas, sem um “sigam em paz”.
É possível extrair algumas lições da situação. Uma delas é que dificilmente vou voltar a me sentir tranquila ao avistar um giroflex ligado numa estrada deserta. A outra diz respeito à postura que se deve ter diante de uma abordagem policial: se você deve alguma coisa, há de se imaginar que sabe exatamente como agir; agora, se não deve, fique na sua e nem pense em querer provar que é do bem. A menos que queira virar estatística".
Nota do Editor:
Querida Jaciara,
Voltei do almoço, abri o computador, fui ao gmail ver os e-mail que tinha recebido e abri, logo,logo, o seu. Copiei e coloquei neste blog-site para postar. Li o relato de sua triste experiência, busquei na cabeça algo para lhe passar de solidariedade, e só me veio à mente um episódio que vivi em Nova York, no inverno de 1988. Tinha acabado de chegar naquela metrópole e Plauto, então cunhado de nosso colega Ipojucâ Cabral, foi me pegar no hotel e me levou a uma festinha íntima no apartamento da filha de uma concertista de música clássica. Lá ficamos até por volta das 2hs da madrugada, bebericando vinho e comendo tira-gosto natural, inclusive uma tal de Amêndoa do Brasil, que depois fui saber que era da Floresta Amazônica. Saímos e ele, brasileiro acostumado à megalópole norte-americana, me levou num passeio noturno pelo Central Park, para ver as árvores desfolhadas repletas de luzes multicoloridas do Natal. Imagine o espetáculo, debaixo de um frio de rachar. Passamos por aquela fauna noturna que habita as noites e madrugadas do Central Park, e não fomos uma vez sequer oportunados. De repente, uma luz de pisca-pisca surpreende e, eu, como brasileiro e baiano atemorizado com a fama da polícia que temos, dei bandeira que tinha ficado nervoso, até porque não falava nada de inglês. Plauto percebeu e me tranqualizou: "calma, rapaz! A polícia sacou que não somos habituais do Central Park e está nos seguindo para dar segurança". Não acreditei no que ouvi. Só entendi quando o carro-patrulha da polícia noviorquina passou junto da gente, o policial que estava na porta do carona acenou e o motorista nos cumprimentou com a sirene. Já estávamos perto do Museu Metropolitano, saimos na pista asfáltica e acenamos para um taxi amarelinho. Só depois que entramos no taxi a viatura partiu. Por mais chocada que você ainda esteja, lhe faço esse relato para fortalecê-la como cidadã. Ainda existe respeito à cidadania!

Um comentário:

Jaciara Santos disse...

Ah, querido, que bom receber um afago dos amigos. Vou reproduzir seu comentário no À Queima Roupa. Muitísimo grata. E parabéns pelo blog. O nome não poderia ser mais apropriado. Afinal, vc sempre foi um jornalista dos mais bem informados que conheço. Abraço carinhoso. Jaci