Ao brincar de Deus, Lula se dá conta de que é mortal
As piadas, como as ideologias, são moldadas pelo tempo. Corre em Brasília uma dessas anedotas velhas que as circunstâncias se encarregam de ajustar.
O presidente saía do banho. Trazia uma toalha amarrada na cintura. A caminho do closet, deu de cara com uma camareira do Alvorada.
Súbito, o nó que prendia a toalha se desfez. E o pedaço de pano que lhe protegia as vergonhas foi ao solo. A camareira arregalou os olhos: “Óhhhh! Meu Deus!''.
E o presidente, com ar de indisfarçável superioridade: “Sim, sim, companheira. Mas pode me chamar de Lula”.
Na última quarta-feira, falando para uma platéia de pernambucanos amistosos, Lula discorreu sobre algo que lhe causa jucunda satisfação.
“Vocês estão lembrados, o orgulho que eu tenho, quando o FMI chegava aqui no Brasil humilhando o governo brasileiro...”
“...Já descia no aeroporto, dando palpite, dizendo o que a gente tinha que comprar, o que a gente tinha que vender, o que a gente tinha que estatizar...”
“...Agora quem fala grosso sou eu. Porque, se antes era o Brasil que devia ao FMI e ficava que nem cachorrinho magro, com o rabo entre as pernas, agora quem me deve é o FMI”.
Vale a pena repetir dois pedaços do raciocínio do presidente. O primeiro: “Agora quem fala grosso sou eu.” O outro: “Agora quem me deve é o FMI”.
Os ouvidos sensatos alcançados pelo lero-lero de Lula viram-se tentados a perguntar: Eu quem, divino presidente? Eu quem, supremo mandatário?
Ora, quem deu o dinheiro que o Brasil borrifou nas arcas do FMI foi a bugrada. Lula apenas o gastou. O Fundo deve aos brasileiros, não a Sua Excelência.
Parece implicância, mas é preciso dizer: Tudo leva a crer que algo de muito errado sucede com a cabeça do presidente da República.
Falta-lhe o parafuso que fixa as sinapses que ligam os neurônios do bom-senso aos da humildade. Lula esforça-se para mimetizar Luís XIV de Bourbon.
O soberano francês foi ao verbete da enciclopédia como autor da frase fatídica: “L’État c’est moi”. Lula o ecoa: “O Estado sou Eu”.
O presidente não gosta da rotina de Brasília. A idéia de acordar, pendurar uma gravata no pescoço e ir ao Planalto para receber, digamos, Edison Lobão o aborrece.
Dono de popularidade alta e de discurso baixo, Lula prefere a eletricidade proporcionada pelas multidões à frieza das audiências individuais.
Sua praia é o palanque. A visão das platéias hipnotizadas o conduz a um plano superior. Agrada-o a sensação de espectadores que o vêem como um Deus.
Lula aceita o papel. Gostosamente. À medida que se aproxima do final, seu governo vai virando um grande comício. Um comício entrecortado por audiências brasilienses.
No caminho para as estrelas, Lula pisa nos tribunais, distraído. Em campanha aberta por Dilma Rousseff, testa os limites da Justiça Eleitoral.
Se o TCU e o Congresso cortam as verbas de obras tisnadas pela irregularidade, o presidente “dá” o dinheiro. Com uma canetada, libera R$ 13 bilhões.
Às favas com os auditores. Que se dane o Congresso. A oposição chiou? São uns “babacas”. Não se opõem ao presidente. São rivais da razão divina.
No discurso de quarta-feira, aquele em que celebrou o fato de que o FMI lhe deve, Lula exagerou. Brincou de Deus.
Inaugurava um posto de saúde em Pernambuco. A alturas tantas, fez uma pilhéria premonitória: “Dá até vontade de a gente ficar doente para ser atendido aqui”.
Adoeceu. Não foi à cama do “seu” estabelecimento. Levaram-no, obviamente, a um hospital de primeira linha, mais condizente com sua condição de presidente.
Lula atravessou uma dessas experiências que dão aos (falsos) deuses a incômoda sensação de finitude.
Foi como se Deus–o autêntico, o genuíno–soprasse nos ouvidos do seu genérico: “Não desperdice a popularidade que Eu te dei. Aproveite o seu tempo...”
“...Celebre os acertos, reveja os erros. Respeite as diferenças. Não apequene sua grandeza. Reaprenda a saborear as delícias da humildade!”
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