domingo, 27 de dezembro de 2009

Artigo
O pau quebrou na João das Botas

Passou quase despercebido na Bahia o aniversário de 40 anos da instalação do Ato Institucional 5 e, como sou da Geração Pós-AI5, resolvi escrever sobre o tema e deixar para contemporâneos mais vividos a tarefa de escrever sobre os impactos da chegada do Ato na vida pública baiana. Sugiro ao ex-deputado federal Marcelo Cordeiro, que foi sucessor do histórico Rômulo Almeida na presidência do antigo MDB e na época do regime militar era líder estudantil da Faculdade de Direito da UFBA, a tarefa de escrever artigo sobre a chegada dele, acompanhado que foi pelo Decreto 477, que colocou o Movimento Estudantil na clandestinidade.
A chegada do AI5 na Bahia e no Brasil foi precedida pelas famosas passeatas estudantis que movimentaram o país nos idos de 1968, inspiradas pelos protestos estudantis que sacudiram a França também em 68. Quando esse artigo chegar às mãos de minha irmã, a jornalista Mariluce Moura, que reside e trabalha em São Paulo, creio que ela vai chorar de saudades daqueles tempos. Nada piegas, mas por reencontro com aquela juventude atuante, consciente do país em que vivia e que não conhecia as drogas que hoje vicia e mata sobretudo negros e mulatos de Salvador. Tempos em que ainda existia o Colégio de Aplicação da UFBA, no prédio onde hoje funciona o Ministério Público, no bairro de Nazaré, e que o Colégio Estadual Severino Vieira, ali perto, era dirigido pela competente professora Amália Magalhães, cunhada do então prefeito Antonio Carlos Magalhães.
O governador da Bahia na época era o acadêmico Luiz Viana Filho e ele, que fora Ministro da Justiça do primeiro governo da República pós-1964, do General Castello Branco, autorizou a realização de uma passeata estudantil pelas ruas centrais de Salvador, mesmo sendo de protesto contra o regime militar. Seria da Praça Castro Alves até o Campo Grande. Para protestar contra a Reforma do Ensino.
Tudo aconteceria no figurino previsto por ele se, no Monumento ao Caboclo, onde se encerraria a manifestação, não fosse aprovada a proposta de continuar a passeata até a sede do Acordo MEC-Usaid, na esquina da rua João das Botas, bem em frente à Reitoria da UFBA, pertinho do barzinho mais categorizado daquele final dos anos 60 e dos anos 70, o Avalanche, no Canela. Na porta do prédio onde funcionava o Acordo MEC-Usaid, firmado entre o nosso ministério e o organismo educacional do governo dos EUA, o pau quebrou. A estudantada invadiu o prédio, queimou os arquivos e jogou na rua o que tinha lá dentro. Os meses seguintes foram marcados por uma feroz repressão do governo às passeatas estudantis.
Ocorreram episódios traumatizantes, como a invasão do Mosteiro de São Bento, onde os estudantes se refugiaram pedindo a guarda do prior Dom Thimóteo Amoroso Anastácio, após serem reprimidos pela PM e pela Guarda Civil; e a boataria que se seguiu, de que aqui também houvera morte de uma estudante, como aconteceu no Rio de Janeiro, com André Luiz, na invasão do Restaurante Calabouço. O cheiro de gás lacrimogêneo ainda invade as minhas narinas. Mas tudo isso aconteceu antes e imediatamente após a edição do AI-5, o que merece ser contato por quem foi da Geração 64 e estava querendo fazer a revolução socialista no Brasil durante o Governo de Jango Goulart. Porque o impacto do AI5 destruiu o sonho de toda uma geração, que não é a minha.
Minha geração, a do pós-AI5, é da reorganização do Movimento Estudantil e das lutas pela redemocratização do Brasil. A epopéia da minha geração vou contar em capítulos, porque é muita coisa e a juventude atual precisa saber o que aconteceu entre os anos 70 e 90 do século passado que resultaram no Brasil e na Bahia democráticos do século XXI. Por exemplo, outro dia um jequieense me disse que Ana Rios, candidata a vereadora em Salvador nas últimas eleições, é a mesma Ana Rios que conheci em Jequié e que organizou o primeiro comício em Defesa das Eleições Diretas da Bahia. E tudo aquilo culminou com o grande Comício pelas Diretas de Salvador, na Praça Municipal, com a presença de Tancredo Neves, primeiro presidente da República civil do Brasil pós-64.
Mas isso foi depois, muito depois. É que o AI5 colocou a vida política da Bahia em recessão e as coisas só voltaram a funcionar lá pelos idos de 1973. Ano em que ingressei na Faculdade de Economia da UFBA e disputei a direção do Diretório Acadêmico contra chapa do Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderada por Miguel Kertmann e que tinha gente como Cláudio Barreto, a mulher dele, Teresa, e Job Brasileiro. Me juntei a gente como Eduardo Tinoco – isso mesmo, irmão do ex-vice-governador Eraldo Tinoco -, Ângela Brasileiro, Lielson, Wilson Fiti (atual diretor da faculdade), Andrade, Luiz Petitinga e outros que passaram pelos bancos universitários do Largo da Piedade.
É interessante citar essa gente porque foi a turma que esteve na linha de frente da reorganização do Movimento Estudantil na Bahia. A cervejinha era no Clube Comercial, na Avenida Sete, acompanhada pelos olhos atentos do professor Plínio Moura, até hoje lecionando na faculdade, e no Feijão do Bio, no Largo das Flores, perto do Restaurante Moreira. Eduardo Tinoco, que foi vice-presidente do DA de Economia, militou no PCdoB, reorganizou o DCE da UFBA e foi com Beto Bulhões fundador do PT na Bahia, hoje assessora a vida pública do sobrinho Claudio Tinoco, que foi Secretário de Infraestrutura do ex-governador Paulo Souto e é filiado do Democratas.
Como se pode perceber, a vida é rica de nuances e tenho muitas coisas para contar nos próximos artigos.

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