domingo, 28 de fevereiro de 2010

Os 80 anos de Anízio Fotógrafo

Do site aqueimaroupa.com.br:

Em homenagem a Anízio Carvalho

Até parecia uma daquelas “reuniões” no Bar do Careca, na velha Barroquinha. Não o hoje decadente e malcheiroso terminal de ônibus, onde a Baixa dos Sapateiros acaba (ou começa?), mas a charmosa e boêmia Barroquinha dos anos 1970, endereço do Jornal da Bahia, celeiro de grandes profissionais da pauta, como costumava ser chamada então a turma que militava no jornalismo impresso. E foi como numa agradável reedição do boteco do Careca, que nos reunimos ontem (26) à noite, na Igreja de Nossa Senhora de Brotas, para festejar os 80 anos do repórter fotográfico Anízio Circuncisão Carvalho, o maior dos maiores profissionais da fotografia de que já se teve notícia. Sempre atrás das câmeras, ontem foi seu dia de brilhar à frente dos holofotes. Resultado: o que deveria ser uma festa de aniversário terminou por se transformar num memorável reencontro, numa celebração à vida, no seu sentido mais amplo.
Estávamos quase todos ali. Alguns, em espírito. Ou alguém vai acreditar que os irmãos Pastore (Rêmulo e Rafael) perderiam uma festa daquelas? Ô, vidão! Nem pensar! E Anísio Félix, Jorge Lindsay, o velho Zé Maria e tantos outros que passaram para o andar de cima… Como eu, tenho certeza de que outros companheiros sentiram a presença em forma de energia, tão amorosa quanto gaiata, dessa galera hoje visível apenas aos olhos do coração.
Foi como se retroagíssemos uns bons trinta anos no tempo. Sem títulos e cãs, sem calvícies e adiposidades. Até o doutor João Falcão (por que “doutor”? Nunca fiquei sabendo…) outra lenda viva do jornalismo baiano, por conta da luta desenvolvida contra o carlismo, ali estava. Lembramos das dificuldades, dos atrasos de salário, das condições adversas de trabalho, mas, acima de tudo, do prazer que era cortar a própria carne para, diariamente, “botar o jornal do homem na rua”. Era um tempo em que valia mesmo o que estava escrito, porque não se vivia em função de fabricar manchetes, no sentido mais pejorativo que o verbo fabricar possa alcançar.
O monsenhor Edmilson Macedo, celebrante da liturgia, que me perdoe, mas não consegui me concentrar em sua pregação. Olhava para Marcelo Simões e não via o renomado publicitário de hoje, mas o meu redator preferido e com cara do moleque dos tempos de Barroquinha. Também não via o deputado Emiliano, o médico Ismael, o conselheiro do Tribunal de Contas Vita e outros títulos honoráveis em nenhuma das figuras que atenderam ao convite para celebrar os 80 anos de vida do nosso Anízio. Só via rapazes cabeludos e barbudos, com bolsas de couro à tiracolo, ao lado de moças vestidas à moda hippie, rostos sem maquiagem e cabelos soltos ao vento ou acomodados sob uma tiara.
Em meio a todas essas reminiscências, o homenageado brilhava em sua soberania nata. É, porque Anízio é um aristocrata, embora faça questão de se apresentar como um humilde servo. Olho para ele e vejo um daqueles reis trazidos para o Brasil à época da escravidão. Por mais que as vicissitudes tenham lhe colocado à prova, por mais que ele tenha desempenhado funções humildes, nunca perdeu a altivez. Pela pouca intimidade com as letras, ele costuma dizer que aprendeu com os jornalistas tudo o que hoje sabe. Não é verdade. Como lembrou, com bastante propriedade, Juarez, o caçula dos sete filhos, num discurso improvisado, o fato de não possuir títulos acadêmicos jamais o impediu de se desenvolver bem em qualquer ambiente. Uma prova da sua sabedoria está nas ferramentas com que equipou a prole: boa parte possui formação universitária e aprendeu com ele e com a mãe o valor do conhecimento acadêmico.
Não consigo descobrir o que nós, jornalistas, com a nossa bagagem teórica e a cabeça cheia de sonhos, podemos ter ensinado a um doutor em conhecimento prático e em lições de vida como Anízio. Ao vê-lo repetir seguidamente que aprendeu tudo o que sabe conosco, vejo que esse é mais um ensinamento que, do alto dos seus 80 anos de vida e 60 de profissão, ele está nós propiciando: a de que a humildade pode ser a fórmula mágica para um bom viver. Nós, aprendizes do mestre Anízio, só temos a agradecer com muito carinho por mais essa lição. Hoje, como nos tempos da Barroquinha e do bom e velho boteco do Careca.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito do que o senhor manifestou no texto sobre os 80 anos do meu avó sr. Anizio Carvalho. Com muita alegria agradeço o seu carinho e o seu reconhecimento sobre o meu avó. Realmente Ele foi e é um homem brilhante, juntamente com minha avô sra. Teresinha.