José Fucs com Marcos Coronato, da Revista Época:
Em seus programas de TV e nos palanques, os dois principais candidatos à Presidência da República – Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB – prometem fazer um governo de continuidade. É natural que digam isso, por temor de contrariar os cerca de 80% de eleitores que aprovam o presidente Lula. Mas não é totalmente verdade. Políticos e economistas das mais variadas correntes avaliam que o próximo presidente será obrigado a fazer um ajuste fiscal para equilibrar as contas do governo. E logo, porque o melhor momento para medidas duras é no início do mandato.
Sem esse ajuste, dificilmente o Brasil conseguirá manter um crescimento econômico acima de 5% ao ano. Primeiro, porque vão faltar recursos para o governo realizar investimentos. Em segundo lugar, porque, se a expansão dos gastos se mantiver, o Banco Central terá de manter as taxas de juro na estratosfera para conter a inflação.
Na semana passada, o governo federal anunciou o pior resultado fiscal em um mês de julho nos últimos dez anos. Desde a posse de Lula, em 2003, a arrecadação aumentou 131%, mas os gastos cresceram 146,6% (sem descontar a inflação). Segundo os números oficiais, os gastos do governo central deverão fechar 2010 em 18,6% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas no país. Em 2002, eram 15,7%. O aumento de investimentos federais foi bem menor: passou de 0,8% para cerca de 1% do PIB.
O governo não apenas está gastando muito, como está gastando mal. As principais críticas vão para a contratação de 100 mil servidores e para os reajustes salariais do funcionalismo, bem superiores à inflação. Os aumentos generosos do salário mínimo, que indexam os benefícios da Previdência Social, geraram um rombo nas contas federais que deve se estender durante décadas. Na área financeira, os aportes do Tesouro Nacional no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o objetivo de facilitar empréstimos a grandes empresas, alcançaram R$ 280 bilhões em dois anos. Segundo o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, foram R$ 9 bilhões de subsídios por ano com dinheiro do contribuinte, cerca de 70% dos recursos do Bolsa Família em 2010. “Vejo um movimento crescente no Brasil de corrida aos subsídios do Estado”, afirmou Velloso na semana passada, no seminário Impostos, consumo e cidadania, realizado no Rio de Janeiro pelo Instituto Millenium, uma entidade voltada para a promoção da democracia e da economia de mercado no país. “As grandes empresas gostam de receber juros subsidiados em troca do financiamento de campanhas eleitorais”, afirmou Luiz Felipe D’Ávila, presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), uma ONG dedicada à preparação de líderes políticos. “Por que os menos favorecidos têm de pagar para sustentar o dinheiro que o BNDES repassa às grandes empresas?”
É quase unânime a opinião de que o próximo presidente fará o ajuste. Mas muitos analistas temem que ele venha pelo lado da receita. Em vez de cortar gastos e adotar uma política fiscal austera, o próximo presidente poderá optar por aumentar impostos, apesar de a carga tributária brasileira ser a maior entre os países emergentes, na faixa de 35% do PIB. “A partir de 2011, haverá um movimento muito forte pelo aumento dos impostos”, afirmou Velloso. “O governo diz que o Brasil precisa de um Estado forte para realizar políticas sociais e grandes obras, e os políticos vão querer arrecadar mais”, disse Salim Mattar, fundador e presidente da locadora de carros Localiza e um dos patrocinadores do Millenium.
Uma das alternativas mais prováveis seria ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Basta lembrar que, em 2007, quando a manutenção da CPMF foi derrubada pelo Senado, tanto Dilma quanto Serra apoiavam o tributo. “É uma maravilha ficar no bem-bom e passar a conta para a sociedade”, afirmou o cientista político Alberto Carlos Almeida, um dos palestrantes, diretor do Instituto Análise e autor do livro O dedo na ferida – Menos imposto e mais consumo.
No debate acalorado sobre como mobilizar a sociedade para a questão dos impostos, o jornalista Guilherme Fiuza, colunista de ÉPOCA, disse que a melhor alternativa seria encaminhar a questão por meio dos canais políticos convencionais, como aconteceu nos casos da privatização e de aprovação de Lei de Responsabilidade Fiscal, no governo FHC. D’Ávila, do CLP, defendeu um movimento popular, nos moldes da campanha das Diretas Já, em meados dos anos 80, pelas eleições diretas para a Presidência da República. “O poder formal só aceita uma ideia nova depois que ela se propagou na sociedade”, disse.
Segundo Almeida, “a sociedade está pronta” para um movimento pela redução de impostos. Uma pesquisa publicada em seu livro mostra que cerca de 80% da população votaria em um candidato à Presidência que prometesse cortá-los. “A discussão tem de ser em torno de uma proposta de redução de impostos, para a população colocar mais dinheiro no bolso, e não de redução de gastos do governo”, diz.
Outra questão essencial é dar transparência nas notas fiscais aos impostos pagos pelo consumidor – um projeto já aprovado por diversas comissões na Câmara Federal, que aguarda em banho-maria a votação em plenário. De acordo com o arquiteto Fernando Bertuol, presidente da Associação da Classe Média (Aclame), do Rio Grande do Sul, “se a população não souber quanto está pagando, não vai se mobilizar para coisa nenhuma”.
Essa briga contra o abuso dos impostos só faz sentido se vier junto com a racionalização dos gastos públicos – defendida até por economistas que concordam com a política econômica atual. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, um dos principais coordenadores da campanha de Dilma, propõe que ela defina um limite para o aumento dos gastos correntes, abaixo do aumento do PIB. Também aliado com o governo do PT, o especialista em contas públicas Francisco Lopreato, da Universidade de Campinas (Unicamp), diz: “O próximo presidente não vai poder seguir expandindo os gastos na velocidade feita no governo Lula”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário