Cesário Ramalho da Silva*
A agropecuária brasileira, composta pelo pequeno, o médio e o grande produtor rural, não quer mudar o Código Florestal para desmatar mais e obter novas áreas para produzir. Por mais óbvio que isso seja, alguns setores ainda insistem em tachar o produtor de vilão ambiental. A Sociedade Rural Brasileira tem legitimidade para falar sobre essa questão. Desde 1927 mantém ativo em seu quadro um departamento exclusivo para defender o meio ambiente e a proteção dos recursos naturais em consonância com a produção rural.
Há aproximadamente cinco décadas a agricultura e a pecuária tinham usos e costumes extrativistas. No início dos anos 1970 o agronegócio brasileiro se transformou. A criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)impulsionou a tecnologia de produção agrícola dos trópicos, pautada pela ciência, alçando o Brasil à condição de potência rural do século 21.
O resultado? Abastecimento contínuo e comida farta na mesa do cidadão brasileiro e grandes exportações - leia-se: divisas,emprego e renda -, que só não são maiores em razão do protecionismo europeu, norte-americano e japonês e por causa de entraves domésticos, sendo a deficiente infraestrutura logística - transportes, armazenagem e portos - o gargalo mais latente. A combinação de luminosidade natural, qualidade pluviométrica, solos férteis,disponibilidade de terras e recursos hídricos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o empreendedorismo do produtor rural tornou a agropecuária brasileira protagonista no cenário mundial.
O País passou a produzir mais e melhor em menos área. Saiu da condição de importador para celeiro do mundo. Aumentou a sua produtividade, especialmente com as lavouras avançando sobre pastagens degradadas, fenômeno que ainda tem muito a crescer. Soma-se a isso a expansão de práticas conservacionistas e que se mostraram competitivas economicamente, como, por exemplo, a silvicultura, a integração lavoura-pecuária-floresta e a técnica do plantio direto. A verdade é que a iniciativa da Câmara dos Deputados de encarar a necessidade de alteração do Código Florestal é louvável. O simples fato de chamar a atenção para a problemática da legislação ambiental merece elogios.
Há tempos grupos antagonistas a qualquer tipo de ajuste no Código Florestal boicotavam esforços nesse sentido. Isso acabou atrasando um debate mais que imprescindível ao desenvolvimento social, econômico e ambiental do Brasil. Ou seja, se mudanças no Código Florestal já tivessem sido encaminhadas, neste momento não estaríamos analisando o passado, e sim planejando um futuro sustentável.
O fato é que milhares de produções centenárias estavam na ilegalidade jurídica e precisavam ser regularizadas. Não se trata de passar a mão na cabeça daquele cafeicultor ou produtor de maçã que desmatou sem muito bem saber o impacto desse ato. Erros foram cometidos por desconhecimento técnico - por falta de uma extensão rural acessível e decente -, mas não por má-fé. Quem age com dolo não é o genuíno produtor rural brasileiro.O que se pretende com ar e formado Código Florestal é equilibrar produção e proteção, criando um ambiente favorável à manutenção e à atração de novos investimentos,inclusive direcionados ao pagamento por serviços ambientais.
Custa-me a crer que alguém realmente pense que o fator econômico é rival do meio ambiente. Não são coisas excludentes, ao contrário, são absolutamente interdependentes. Desde sempre o produtor é amigo do meio ambiente. Além de entendê-lo como indispensável à viabilidade da atividade rural, o produtor agora sabe que o meio ambiente é passaporte para lucrar mais.
Porque é nessa relação que se encontra a sustentabilidade. Quem zela pelo meio ambiente o faz porque é um princípio reconhecido como correto pela sociedade. E cuida mais ainda porque sabe que ser sustentável é cortar custos, atender a exigências comerciais e, muito em breve, obviamente, ser mais bem remunerado.
Dessa forma, o relatório apresentado pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do novo Código Florestal, tem muito mérito. Foi democrático, corajoso e contou com amparo técnico. A comissão especial da Câmara dos Deputados realizou 68 audiências públicas por todo o País. Nos encontros, o relator ouviu as partes interessadas no assunto e colheu informações e sugestões para a elaboração do projeto de lei.
De fato, não é um texto definitivo, nem se propunha a ser, e assertivamente já proíbe novos desmatamentos. É um documento que escancara o debate para que uma nova lei nasça sob a luz da ciência. De maneira clara e objetiva, diferentemente do código em vigor.
Só para lembrar,a legislação vigente, originária de 1965, foi remendada por portarias, decretos e medidas provisórias, à revelia da sociedade e do Congresso Nacional. O que se buscou agora foi justamente expor a situação crítica do Brasil rural e convidar todos a participar da solução.
O debate pautado por extremos não é salutar para a Nação.O que o Brasil precisa é de alianças que estimulem a nossa vocação de produzir alimentos e energia renovável em equilíbrio com os produtos naturais que temos.Promover a cisão nos levará a outro futuro. O desenvolvimento sustentável se dará pela geração de riqueza atrelada à proteção do meio ambiente e ao respeito pelo entorno social.
A discussão ambiental também teve o valor de colocar o agro como protagonista das decisões estratégicas da Nação. A realidade é que o setor precisa e deve ser tratado e valorizado politicamente em pé de igualdade com a importância econômica e os benefícios socioambientais que gera para o País.
* Cesário Ramalho da Silva é Presidente da Sociedade Rural Brasileira, Diretor do Departamento de Agronegócio da FIESP e membro da Federação das Associações Rurais do Mercosul.
Nenhum comentário:
Postar um comentário