Elma Sirley da Silva Amparo*
O Direito deve ter, sempre, em quaisquer situações, como centro de sua preocupação, o homem, a dignidade da pessoa humana e aplicar as normas jurídicas, visando um ideal de justiça buscado pela Constituição Federal, que tem como objetivo maior a proteção da pessoa humana. Assim sendo, não há como deixar de falar do princípio da isonomia, que é o objetivo maior das normas constitucionais e também das infraconstitucionais, considerando-se aqui o princípio da dignidade da pessoa humana.
Ao analisar algumas categorias profissionais, depara-se com algumas restrições aos trabalhadores domésticos, pois evidencia-se que há divergências entre o artigo 5º da Constituição Federal, que consagra o princípio da igualdade, com as limitações que lhes são impostas pelo parágrafo único do artigo 7º da já referida Constituição Federal, pois, ao negar o artigo 5º, o artigo 7º institui uma discriminação aos trabalhadores domésticos em comparação aos trabalhadores das demais categorias funcionais.
Bom lembrar que os princípios constitucionais têm supremacia sobre todas as outras disposições legais.
A palavra doméstico tem sua origem no latim e deriva de domus, que significa lar. O trabalho doméstico é uma profissão que tem raízes na mais antiga história, uma vez que os escravos já desempenhavam este papel e sempre foi desprestigiado ao longo do tempo (MARTINS, 2007).
A Enciclopédia Larousse Cultural (1998, p. 1959) assim define o doméstico como “indivíduo que trabalha em casa de outro mediante retribuição”. Já o regulamento da Previdência Social, Decreto Lei no. 3.048/99, no inciso II do art. 9º. afirma que o doméstico é “aquele que presta serviço de natureza contínua, mediante remuneração mensal, à pessoa ou família, no âmbito residencial destas, em atividades sem fins lucrativos”.
Os direitos básicos dos trabalhadores domésticos estão contidos na Lei no. 5.859, de 11 de dezembro de 1972 e em alguns incisos do artigo 7º da Constituição Federal, em seu parágrafo único. Não havia legislação para o trabalhador doméstico. Utilizava-se o Código Civil de 1916, que no seu artigo 1.216 previa que “toda espécie de serviços ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratado mediante retribuição”.
A Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto no. 71.885, de 9 de março de 1973, trouxe um novo alento para a classe dos empregados domésticos, pois previu a inclusão facultativa dos empregados domésticos no regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), sendo que a inclusão obrigatória neste regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) determina que o empregador doméstico faça um pagamento mensal de 8% do valor pago mensalmente ao empregado doméstico, em uma conta vinculada em nome do referido empregado doméstico.
Finalmente a Constituição Federal de 1988, que utiliza a expressão trabalhador, ao invés de empregado, lhes assegurou, no seu art. 7º os seguintes direitos: salário mínimo; irredutibilidade do salário; repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença paternidade; aviso prévio; aposentadoria e integração à Previdência Social. Antes da Constituição Federal de 1988 o doméstico poderia receber menos que um salário mínimo, não tinha direito ao 13º salário, ao aviso prévio, e tampouco ao repouso semanal remunerado.
Em 19 de julho de 2006 foi editada a Lei nº 11.324, que alterou artigos da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, e desde então os trabalhadores domésticos passaram a ter direito a férias de 30 dias; a estabilidade para gestantes; direito aos feriados civis e religiosos, além da proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho.
Além disso, houve a dedução no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) de 12% do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Esta dedução se dá sobre o valor do recolhimento referente a um salário mínimo mensal de um trabalhador doméstico, incluindo a parcela de 13º e 1/3 de férias. Esta ação permitiu que o empregador doméstico pudesse recolher a contribuição referente à competência de novembro de cada ano até o dia 20 de dezembro, em conjunto com a contribuição referente ao 13º salário, utilizando para isso um único documento de arrecadação (GPS).
Segundo Gleibe Pretti (2008), estes requisitos são preponderantes na configuração do vínculo de emprego: Não oferecer lucro ao empregador,. Caso contrário,será um empregado convenciona; Prestar serviços contínuos, ou seja, comparecer pelo menos três vezes por semana na residência do empregador, com pelo menos quatro horas de trabalho por dia; Prestar serviços a pessoa física; não existe empregado doméstico para pessoa jurídica; Receber salário; Não se fazer substituir. Se fizer,descaracteriza-se sua atividade.
O que configura o trabalho do trabalhador doméstico é o local onde presta seus serviços, que é no âmbito doméstico, mesmo que algumas atividades desempenhadas sejam exercidas fora deste ambiente, mas que tenham vinculação com o lar do empregador. Como exemplo de empregado doméstico tem-se: o mordomo, a copeira, a arrumadeira, enfermeiros, damas de companhia, guardas, caseiro, etc.
Hoje são assegurados a todos os trabalhadores domésticos, os seguintes direitos, conforme Gleibe Pretti (2008): Registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social; Salário mínimo; Irredutibilidade do salário; 13º. Salário com base no último salário; Descanso semanal remunerado,preferencialmente aos domingos; Férias anuais remuneradas com o acréscimo de, pelo menos, um terço do salário normal; Licença-maternidade de 120 dias; Garantia de emprego à doméstica gestante, da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto; Licença-paternidade de cinco dias; Integração à Previdência Social; Aviso prévio de 30 dias; Vale-transporte; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – (FGTS) – facultativo; Seguro-desemprego (apenas se for recolhido o FGTS); Aposentadoria
Apesar da irredutibilidade do salário alguns descontos podem ser feitos no salário do trabalhador doméstico, como nos casos a seguir expostos (PRETTI, 2008): Prejuízo causado intencionalmente pelo empregado na residência do empregador, mesmo que este fato não esteja estipulado em contrato. Se o dano não for intencional, o desconto só poderá ocorrer se estiver estipulado em contrato; Faltas injustificadas; Contribuição ao INSS; Vale-transporte, limitado a até 6% do salário-base, quando houver; Moradia, quando esta for diversa do local onde o trabalhador doméstico presta o seu serviço.(art.2º,A ,inciso I, Lei 55.859/72, incluído pela Lei 11.324/06).
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2002), realizada pelo IBGE, mostra que a classe de trabalhadores domésticos formava, naquele momento, um contingente de 6 milhões de pessoas. Este número deve ter se elevado de acordo com o crescimento da população nestes últimos 7 anos, o que só referenda a relevante participação desta classe de trabalhadores no mercado de trabalho brasileiro.
Apesar de toda esta relevância numérica expressiva, esses trabalhadores não têm assegurados os mesmos direitos que são deferidos aos empregados que têm seus contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Atualmente o doméstico deixa de fazer jus aos seguintes direitos, inerentes a outras categorias de trabalhadores, que são regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): Abono do PIS; Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), salvo mediante requerimento do empregador à CEF; Horas extras; Data base salarial; Relação de emprego protegida contra dispensa arbitrária; Piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; Participação nos lucros ou resultados ou na gestão da empresa, pois o empregador doméstico não é empresa e não tem lucros; Jornada de trabalho de seis horas em casos de turnos ininterruptos de revezamento; Proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; Assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas; Proteção em face da automação; Proibição de diferença de salário, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; Proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
Vê-se claramente que alguns desses direitos não são aplicáveis aos domésticos até mesmo pela própria inadequação aos requisitos que são peculiares à sua categoria, como a participação nos lucros, dentre outros. Mas este fato não impede que se adeque os direitos nos itens que são aplicáveis às atividades dos domésticos, possibilitando assim o fim das discriminações.
Alexandre de Moraes (2008, p. 36) diz que “..todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.” Por tal razão doutrina e jurisprudência foram evoluindo, visando o desenvolvimento de mecanismos que buscam amenizar as desigualdades.
Vê-se que muitas medidas legais foram tomadas ao longo do tempo, procurando resgatar uma dívida histórica que a sociedade brasileira tem com a categoria profissional do trabalhador doméstico. Categoria esta que, mesmo não exercendo uma atividade econômica, tem relevantes serviços prestados à família brasileira. Ainda não há uma condição ideal, que é a igualdade de direitos entre as categorias trabalhadoras, mas nos cabe buscar constantemente esta igualdade, conforme dispõe nossa Constituição Federal.
*Elma Amparo administração de empresas, pós graduada em Finanças Corporativas Unifacs e bacharel em Direito pelo Ibes.
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