Editorial do Estadão:
Enquanto se aproxima do fim o “abril vermelho”, a temporada anual de exacerbação de marchas, invasões e saques de propriedades promovida pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) para pressionar por novas desapropriações e assentamentos, vem à tona uma estranha informação sobre o andamento da política fundiária do governo Lula. O Incra tem um estoque de 690 imóveis rurais, totalizando 1,5 milhão de hectares, o suficiente para assentar 50 mil das 90 mil famílias à espera de lotes no País - e, ainda assim, as desapropriações prosseguem.
O Incra não nega os números, mas o seu presidente, Rolf Hackbart, diz que “não se pode chamar isso de estoque”. Segundo ele, citado em matéria do repórter Roldão Arruda, publicada ontem no Estado, os assentamentos não se consumaram ou porque não saíram as decisões judiciais sobre as desapropriações, ou porque os valores das indenizações foram contestados, ou porque a distribuição dos lotes depende de autorização dos órgãos ambientais dos Estados, ou, enfim, porque não foram liberadas as verbas orçamentárias para a implantação dos assentamentos.
As explicações do órgão poderiam ser tomadas pelo seu valor de face não fosse o fato de serem contestadas pelos representantes do setor rural. Eles apontam dois problemas. Suspeitam, em primeiro lugar, de que o número de propriedades desapropriadas e, portanto, as extensões de terras em mãos do Incra podem ser maiores do que o que consta dos dados oficiais.
A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura, pedirá nos próximos dias ao Incra uma relação pormenorizada das propriedades e respectivas áreas. “Essas informações”, observa, “parecem guardadas numa caixa-preta.”
O segundo problema é mais complexo. De acordo com os ruralistas, o estoque se forma porque as desapropriações são pagas com Títulos da Dívida Agrária (TDAs), resgatáveis a muito longo prazo, enquanto os assentamentos, para se concretizar, dependem do volume de recursos em caixa.
Em média, cada família assentada custa algo como R$ 60,7 mil por ano. “Quem analisa o orçamento do Incra”, denuncia a senadora, “vê que ali não existe recurso para assentar o tanto de famílias que eles prometem nas negociações com os invasores de terras.” A ser verdadeiro o argumento, de um lado, o governo engana os sem-terra, de outro, tolera as invasões e depredações.
Hackbart rejeita o raciocínio. Para ele o descompasso não existe, porque “mesmo resgatada em prazos que chegam a 20 anos, o TDA entra no gasto do Tesouro no dia de sua emissão”. Além disso, sustenta, nada menos de 60% dos lotes a serem distribuídos anualmente ficam em áreas recuperadas pelo Estado e em assentamentos já existentes, sem custo, pois, para o Incra. “Existem (ali) muitos lotes vagos que estão sendo retomados. Isso não é oneroso.”
Novamente, a versão de Hackbart poderia fazer sentido, não fossem as evidências em contrário - e desta vez não são os ruralistas quem as apresenta.
Levantamento feito no ano passado pelo juiz Marcelo Berthe sobre conflitos fundiários em Pernambuco - o Estado que lidera o rol de invasões de terras no País - o leva a crer que “os assentamentos não são implementados logo após se consumar a desapropriação”.
Depois de consultar colegas e autoridades estaduais familiarizados com o assunto, Berthe, auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)e presidente do fórum do CNJ sobre questões fundiárias, diz ter ficado com a impressão de que “existe um grande estoque de imóveis, enquanto as ocupações continuam”.
Como esclarece o jornalista Rui Nogueira, chefe da Sucursal do Estado em Brasília, o governo faz um jogo duplo com os sem-terra. Mantém com o movimento uma “relação fraterna”, distribuindo mesadas, bolsas e cestas básicas, mas não faz investimentos pesados em assentamentos. O governo petista sabe que fazer assentamentos, cedendo às pressões das invasões, é o mesmo que jogar dinheiro fora.
O resultado dessa política é a intranquilidade no campo.
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